sábado, 17 de setembro de 2011

A última viagem de uma besta


Um eqüino dormia nos confins do pasto, de madrugada, entre o gado. Uma mulher levantou-se da cama, vestiu-se e foi buscá-lo. Atrelou-o à carroça e meteu-se na estrada.
O caminho de barro, estreito e sinuoso, repleto de buracos, dificultava a marcha. Alguns quilômetros depois, no perímetro urbano, havia paralelepípedos, e as rodas de ferro tornavam a viagem um tormento. O banco de madeira, sem encosto, sacudia a passageira.
A mulher que o urubu avistou na estrada, dentro da carroça, puxada pela besta, era a bruxa que ia à missa domingo de madrugada.
Ao retornar, o sol já despontando, acumulava atrás de si olhares de desprezo e ódio, por toda a trajetória. As pessoas não a suportavam e sempre se perguntavam como uma mulher tão perversa se atrevia a entrar na igreja.
Quando o eqüino se viu livre da carroça, deu saltos de alívio e ganhou novamente o pasto. Meteu-se num bosque, onde corria um filete de água. E lá, enrodilhada no caminho, uma serpente dormia.
Aos galopes, a besta se aproximava. O bater dos cascos acordou o cobra. Ainda sonolenta, armou-se para o bote. Cinqüenta metros, trinta, dez, cinco, um... Uma picada fatal na pata dianteira fez a besta cambalear.
Mas seguiu trotando. Já perto do riacho, sentia tonturas. Foi-se acalmando, a tontura aumentando, a visão se apagando... deitou-se.
Lá no alto, urubus já planavam no céu. Aguardavam o último expiro.
Entretanto, a bruxa, sentindo falta da besta, procurou-a no bosque e, encontrando-a estrebuchando, sepultou-a semi-viva, roubando-a dos urubus e presenteando-a aos vermes.

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